“Doutor, qual a diferença entre Rivotril e Frontal? Não sei se meu filho tem TDAH, TEA, TOD ou TOC… Doutor, tem algo novo que eu possa experimentar?”
Esse tipo de comportamento, cada vez mais frequente durante as consultas, está associado ao fato de que a informação sobre transtornos psiquiátricos e tratamentos químicos esta cada vez mais acessível.
Além do médico, terapeuta, parentes e amigos, as pessoas usam a internet para encontrar respostas e instrução sobre como agir diante de uma situação difícil.
O acesso a informação não é algo negativo. Porém, estratégias de mercado, muito bem planejadas, somadas a informações falsas, ganham espaço na internet e guiam comportamentos.
Naturalizando posturas e consumo de substâncias que deviam estar restritas a quem realmente precisa delas.
Não tem muito tempo que as questões eram em formuladas de outra forma:
Está tudo bem na minha vida, mas não tenho vontade de sair da cama. O que devo fazer? Acordo exausta e permaneço assim o dia inteiro, o que está errado comigo?ou ainda: tenho pensamentos que ficam rodando o tempo inteiro na minha cabeça, como vozes falando dentro de mim. Como faço para parar essas vozes?
Brasil: campeão de consumo de antidepressivos e ansiolíticos
De acordo com uma pesquisa do Ministério da Saúde, o consumo de medicamentos para ansiedade e depressão mais que triplicou desde 2009. O Brasil é campeão mundial de uso de clonazepan, principio ativo do Rivotril.
De novembro de 2014 a outubro de 2015 foram vendidas no Brasil mais de 23 milhões de caixas de clonazepan.
O consumo de antidepressivos também cresce a passos largos. De acordo com pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), a população brasileira é a que consome mais antidepressivos na América Latina. De 2011 até ano passado o aumento chega aos impressionantes 74%.
A medicação psiquiátrica é algo de extrema importância e que salva vidas. É natural que algum momento de nossas vidas ela seja necessária.
Porém, em psiquiatria, ou mesmo na medicina, quanto menos medicação se precisa melhor.
Alguns pacientes vão precisar de medicações durante toda a vida. Eles simplesmente não fabricam os neurotransmissores necessários para realizar suas atividades, projetos e alcançar seus objetivos, e não há nada de errando em recorrer a medicação. Quero deixar claro que isso não é errado ou sinal de fraqueza.
O que me incomoda é a transformar experiências normais da vida, como o luto e a tristeza, em algo que deve ser manejado com medicamentos, ou seja, medicar pessoas saudáveis.
A vida é instável, é totalmente natural se sentir ansioso, triste ou com medo em alguns momentos. Não vivemos sempre de forma emocionalmente estável, isso faz parte da condição humana.
Parece que atualmente vivemos um dilema: ou morremos de ansiedade e depressão ou usamos remédios para controlar os sintomas.
Seja álcool, comida, compras, jogos, internet, etc… todos nós temos válvulas de escape para momentos difíceis. A humanidade desenvolveu esses recursos durante milhares de anos de evolução. Assim como desenvolveu medicamentos, esses bem mais recentes.
Destruir, consumir ou criar.
Para aliviar nossas angústias recorremos, basicamente a três estratégias que as chamo de destruição, consumo ou criação.
A destruição nos causa um alívio grande. Jogar um prato na parede em um momento de raiva, por exemplo. O problema é que essa sensação de alívio dura pouco. Logo em seguida vamos precisar destruir algo novo e assim por diante.
A segunda opção é o consumo. Essa casou perfeitamente com o modelo capitalista e com o espírito de nosso tempo. O consumo tem muitas faces: compras, drogas, jogos, internet e tantos outros.
O consumo também nos traz um alívio, dura um pouco mais do que a destruição, porém também é passageiro.
O que faz com que sempre queremos mais e mais. Essa forma de lidar com a condição humana pode ser muito eficiente para a indústria farmacêutica, para outras indústrias e para os que exploram os jogos e vendem coisas, mas, de certo, não é a melhor forma de tratar nossas angústias cotidianas.
Por último chegamos à criação. Não vamos destruir nem consumir apenas, vamos criar. A criação é a forma que conheço, pelo menos até agora, mais eficiente para lidar com nossas angústias.
A criação
A criança que brinca, o artista que sonha, o atleta que joga. Todos nós somos capazes de criar realidades virtuais tão satisfatórias quanto a realidade concreta.
Essa capacidade de criar faz com que a mente sinta que o ideal já chegou, gerando uma sensação boa, tranqüilizante.
O ser humano comprometido com sua necessidade de equalizar sua ansiedade e também de respeitar sua sociedade, não é um Deus, mas tem o poder de proporcionar estímulos aos nossos cinco sentidos – a visão, a audição, o olfato, o tato e o paladar- com o auxílio de nossa poderosa mente para gerar a informação, ainda que fictícia, que o nosso ideal já chegou.
A atividade criativa encontra espaço na arte, no esporte e na espiritualidade. Mesmo que seja necessário o uso de medicamentos, tenho percebido que praticar a criação possibilita melhoras significativas, ou melhor, a possibilidade de descobrir o que trouxe o estado depressivo e/ou ansioso, além do fim dos sintomas de muitos transtornos de forma definitiva e duradoura.